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A partir de três trabalhos de Freud (Projeto para uma psicologia cientifica, A interpretação dos sonhos, e Dois princípios do funcionamento mental), Bion explora os conceitos de notação e atenção. A notação seria uma palavra mais ligada a armazenamento de informações. Não gostaria nesse artigo de discutir as particularidades desse processo, mas gostaria de deixar claro o aspecto de armazenamento de uma informação que é possível a partir da percepção.

Já a atenção é um ato intencional que visa utilizar o aparelho de percepção a fim de buscar algo. Esse algo pode se relacionar tanto ao mundo interno quanto ao mundo externo. Existe, portanto nesse movimento da atenção uma intenção, um desejo. É importante essa distinção, pois a notação, por si só não é fruto de um desejo, conquanto a atenção sempre o é.

Aqui reside o fundamento de um importante artigo de Bion sobre memória e desejo. A memória é a atenção voltada as notações do passado, ou em outras palavras, a memória é fruto do desejo. Observe-se aqui que memória não tem uma função de arquivo, mas dinâmica.

A partir desse posicionamento Bion coloca uma questão ética: pode o desejo do analista influir na análise? Cabe no enquadre aparecer outro desejo que não o do analisando? Daí a sua famosa indicação aos analistas: conduzir um tratamento sem desejo e sem memória. Memória aqui é o passado do desejo, ou em uma outra interpretação, nascem do mesmo impulso.

A partir disso, em que deveria residir a interpretação do analista? Em sua atenção? Em sua memória? Bion toma uma posição radical em relação ao tema: a interpretação deve residir sobre a notação, e não sobre a atenção ou memória. Inclui-se na memória toda a teoria que o analista dispõe sobre psicanálise, sendo que esta deve acontecer a cada sessão. Uma determinada teoria serve para explicar um determinado caso, uma determinada sessão, mas depois deve ser esquecida. Qualquer interpretação que contenha elementos teóricas, uma construção, esta contaminada com os desejos e a memória do analista. O linguajar comum, deve ter elementos suficientes para que se elabore uma interpretação baseada no que se nota no enquadre.

Apesar de simples, essa questão da ética bioniana é um dos aspectos mais difíceis de sua técnica, uma vez que o analista precisa mais do que nunca estar focado no aqui e agora, imediato e mediato que ocorre entre analista e analisando, pois somente isso pode servir como elementos para notação. Exige-se uma presença do analista ao mesmo tempo que todo seu aparelho perceptual, incluindo-se aqui sua intuição, devem estar aberto para serem impressionados pelo analisando. Uma interpretação que não seja baseado nisso, não tem para Bion, valor terapêutico.

Por Ale Esclapes

 

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Em uma discussão com um colega, surgiu (como já havia surgido antes) uma questão sobre o manejo técnico em psicanálise, quando, comentando a posição kleiniana-bioniana sobre técnica em psicanálise, diante de uma citação de Winnicott “no início sou aquilo que o paciente quer que eu seja. Seria muito cruel não fazer isso”. Depois dessa pequena discussão com meu colega fui para casa e pensei melhor sobre essa frase. O que segue abaixo é uma reflexão a partir de um outro referencial: o bioniano.

Primeiramente quando me apercebo do que o paciente quer que eu seja, é porque de alguma forma isso já é passado. Algo já se passou na relação entre analista e analisando e posteriormente foi percebido por este que, a partir dessa percepção pode interpretar o material do paciente. Isso dentro do método, independe da vontade do analista. Logo, dentro do método do método psicanalítico, Winnicott não estaria trazendo nenhuma novidade teórica à questão em sua primeira afirmativa, “no início sou aquilo que o paciente quer que eu seja.”

Bom, a partir desse ponto, gostaria de discutir o que alguns analistas costumam utilizar como um salto teórico entre o que seria manejo e o que seria o método clássico da psicanálise. Antes de mais nada não quero jogar todos os analistas em uma vala comum, apenas discutir uma posição possível, e que alguns analistas podem se sentir tentados a trilhar. Essa é a diferença em “ser” o que o paciente quer que eu seja e “atuar” o que o paciente quer que eu seja. O objeto transicional não atua o desejo do indivíduo, apenas permite sê-lo uma fantasia. Mas isso independe da vontade do objeto transicional, e sim, da pessoa que deseja, no caso o analisando. Digo isso porque considero, de uma forma que pode se chamar de clássica, a atuação do analista (acting out) como um erro técnico.

A partir de uma reflexão de um ponto de vista bioniano, fica a seguinte reflexão: para que, um analista, utilizaria essa frase de Winnicott para justificar (D2 na grade) um actin out (A6) ao invés de uma interpretação (E3,E4,F3,F4)? Essa análise abre um vértice muito interessante, pois estaríamos falando aqui de um aspecto da contratransferência (entendida no sentido freudiano como um buraco no analista) que atua na pré-concepção das teorias psicanalíticas para se justificar. Poderíamos estar falando de uma questão de onipotência, ao achar que um manejo pode suprir problemas na maturação do psiquismo do paciente, uma culpa pela sua condição, etc … Minha proposta é muito mais deixar a pergunta que estabelecer uma resposta.

Agora pode se discutir a segunda parte dessa citação de Winnicott: “Seria muito cruel não fazer isso”. Como já exposto, o método psicanalítico pressupõe o uso do analista como continente para as angustias e terrores do paciente. Quando isso não ocorre, podemos estar diante de um problema de continência do analista, que pode estar sendo atuada como um ataque ao vinculo entre o par terapêutico, quer seja na forma de um vinculo -K. O analista se esconde atrás de seu conhecimento teórico (D2,E2,F2) para não necessitar se relacionar com o paciente (B3). Nesse sentido, concordo plenamente com Winnicott, pois seria muito cruel atuar dessa forma frente ao analisando.

Meu desejo com essas poucas linhas foi colocar em pauta uma questão que para mim é atual, uma vez que mais do que nunca os analistas são pressionados a aconselhar, “resolver” o problema dos analistas (e para piorar de forma rápida), se responsabilizarem por vidas, a dar aos seus pacientes a felicidade que esses acreditam terem direito a, quer seja por questões de mercado como sociológicas.

Os números entre parênteses se referem a grade bioniana. (Ver O aprender com a experiência, Editora Imago)


Por Ale Esclapes